Diversos fatores podem interferir nos testes de função tireoidiana gerando resultados falsamente alterados.

 

As disfunções tireoidianas incluem o hipo ou hipertireoidismo primário (distúrbio da tireoide) ou central (distúrbio
hipotalâmico/hipofisário). Na doença primária, os níveis de TSH alteram, antes mesmo que o T4 livre modifique. Isto porque, em condições fisiológicas, existe uma relação logarítmica-linear entre TSH e T4 livre, de modo que pequenas flutuações no T4 provocam alterações proporcionalmente maiores do TSH. Por essas razões, em pacientes ambulatoriais, o melhor teste para avaliar a função tireoidiana é o TSH.

TSH normal: nenhum teste adicional é necessário

TSH alto: dosar T4 livre para diferenciar entre hipotireoidismo primário subclínico (T4 livre normal) ou clínico (T4 livre baixo)

TSH baixo: dosar T4 livre para diferenciar entre hipertireoidismo primário subclínico (T4 livre normal) ou clínico (T4 livre aumentado). No caso do T4 livre normal, dosar também o T3 total ou livre para detectar T3-toxicose (T3 alto).

Essa estratégia, porém, não permite excluir completamente o hiper e hipotireoidismo central, condições mais raras, nas quais os TSH pode ser normal e T4 livre aumentado ou diminuído, respectivamente. Por isso, alguns especialistas recomendam a dosagem conjunta de TSH e T4 livre na avaliação inicial, quando suspeita de disfunção tireoidiana. Em pacientes internados em estado grave, mesmo sem apresentar doença tireoidiana, apresentam alterações transitórias, com redução da conversão de T4 em T3, incluindo T3 total baixo, T3 reverso alto, T4 livre normal, baixo ou alto e TSH normal ou baixo, podendo se elevar na fase de recuperação. O T4 total, por sua vez, permanece normal, sendo útil para confirmar a ausência de disfunção tireoidiana orgânica.

Diversos fatores podem interferir nos testes de função tireoidiana, gerando resultados falsamente alterados. Laboratório e clínico, atuando conjuntamente, devem estar atentos a tais intercorrências.

Alterações das proteínas ligadoras dos hormônios tireoidianos

Aumentos da TBG podem ser causados por maior exposição a estrógeno (gravidez, uso de anticoncepcionais, terapia de reposição hormonal pós-menopausa); drogas (5-fluouracil, heroína, metadona, clofibrato, tamoxifeno, raloxifeno, mitotano); doenças (hepatite viral, hepatite crônica ativa, tumor produtor de estrógeno, HIV, porfiria intermitente); excesso de congênito de TBG.

Diminuições da TBG pode ser decorrente de maior exposição a andrógenos ou anabolizantes; drogas (glicocorticoides, ácido nicotínico); doenças (Síndrome de Cushing, síndrome da doença não tireoidiana, cirrose hepática, síndrome nefrótica); deficiência congênita de TBG.

Níveis altos ou baixos de TBG podem aumentar ou diminuir, respectivamente, os níveis de T4 e T3 totais. Em geral, o T4 e T3 livres permanecem normais nessas condições, porém, podem se alterar mediante flutuações extremas de TBG.

Doenças genéticas raras associadas a mutações da albumina (hipertiroxinemia disalbuminêmica familiar) ou da transtirretina alteram a afinidade dessas proteínas pelos hormônios tireoidianos. Na hipertiroxinemia, T4 total está aumentado enquanto T4 livre está normal (diálise de equilíbrio) ou mesmo elevado (alguns ensaios). A eletroforese de proteínas pode revelar migração anormal da albumina ou transtirretina, porém o diagnóstico deve ser confirmado pelo sequenciamento genético dessas proteínas.

Autoanticorpos anti-T4 e anti-T3

Acometem 1,8% da população, sendo mais prevalentes em paciente com doença tireoidiana autoimune. No tipo de
interferência mais comum, os anticorpos interagem com o traçador do ensaio e geram resultados falsamente aumentados de T4 e T3 total ou livre.

Outra forma de interferência é a ligação ao próprio hormônio, reduzindo o hormônio disponível para mensuração e levando a resultados falsamente baixos de T4 e T3 (total ou livre).

Para minimizar os efeitos dos autoanticorpos, as amostras podem ser incubadas com partículas de Sepharose revestidas com proteína G ou A, que adsorvem IgG. Uma alternativa é dosar o analito em outro ensaio ou método.

Macro-TSH

Corresponde a um complexo de alto peso molecular, constituído por uma molécula de TSH ligada a uma IgG anti-TSH. De maneira análoga à macroprolactina, esse complexo tem clareamento plasmático lento e baixa atividade biológica, porém, imunorreatividade preservada, levando a valores falsamente elevados de TSH.

O macro-TSH acomete 0,6 a 1,6% da população, porém, não afeta ensaios de diferentes plataformas de maneira uniforme. Assim, diante de uma amostra suspeita com TSH aumentado com T4 e T3 normais, pode-se optar pela dosagem do TSH em outro ensaio, ou efetuar o teste de precipitação com polietilenoglicol (PEG). A confirmação é feita pela cromatografia em gel de filtração.

Anticorpos heterofílicos e antianimais

Ambos os tipos de anticorpos interferem em 0,05 a 6,0% das dosagens, principalmente em ensaios imunométricos que utilizam pares de anticorpos da mesma espécie animal. Podem gerar resultados falsamente baixos ou falsamente elevados.

Para mitigar os efeitos dos anticorpos interferentes, as amostras suspeitas podem ser incubadas em soro nativo obtido de animais não imunes, da mesma espécie que gerou os anticorpos do ensaio. Alternativa mais custosa é incubar as amostras em tubos bloqueadores de anticorpos heterofílicos/antianimais.

Biotina

Vitamina hidrossolúvel do complexo B, empregada em imunoensaios comerciais, como parte integrante do sistema biotina do sistema biotina-estreptavidina. Sua principal função é fixar, na fase sólida, imunocomplexos formados pela reação antígenoanticorpo, facilitando a separação entre reagentes livres e ligados no processo de lavagem da reação.

O uso exógeno de biotina pode interferir nos imunoensaios que utilizam o sistema biotina-estreptavidina, por inibir a fixação do imunocomplexos à fase sólida. Estes complexos livres são eventualmente eliminados no processo de lavagem da reação, com perda do traçador e diminuição do sinal da reação. Em imunoensaios competitivos (T4 e T3, total e livre) nos quais a intensidade da reação é inversamente proporcional à concentração do analito, o menor sinal gerado resulta em valores falsamente elevados.

Em imunoensaios imunométricos (TSH) nos quais o sinal é diretamente proporcional à concentração do analito, o menor sinal gerado leva a valores falsamente baixos. Alterações semelhantes ocorrem em pacientes com anticorpos antiestreptividina (raro). Para mitigar a interferência da biotina, pode-se questionar uso dessa vitamina e recomendar sua suspensão por 2 a 3 dias antes da coleta de exames suscetíveis.

Em amostras suspeitas, pode-se repetir a dosagem em ensaio que não utiliza o sistema biotina-estreptavidina ou neutralizar o efeito da biotina com incubação das amostras com partículas revestidas de estreptavidina.

Outros interferentes

Anticorpos antirrutênio (Ru) podem interferir em ensaios que utilizam Ru como traçador (exemplo eletroquimioluminescente), em geral, gerando valores falsamente elevados de T4 e T3; e baixos de TSH. Entretanto, em raros casos, alterações inversas foram relatadas. Algumas variantes de TSH, decorrentes de mutações da subunidade beta e também a presença de paraproteínas podem induzir valores baixos ou excepcionalmente altos de TSH associados a níveis normais de T4 e T3 livres.

Medicamentos

Medicamentos Amiodarona: inibe a conversão de T4 a T3, pode levar a T3 total e livre normal baixo, T4 total e livre alto e TSH normal ou pouco aumentado. Em alguns pacientes pode causar disfunção tireoidiana verdadeira, incluindo tireotoxicose ou tireoidite destrutiva, evoluindo para hipotireoidismo. Outras drogas que diminuem a conversão de T4 para T3 são propiltiuracil, propranolol, glicocorticoides e contrastes radiológicos.
Heparina / enoxaparina: ativam a lipase lipoproteica, liberando ácidos graxos livres que deslocam T4 e T3 das proteínas ligadoras, podendo ocasionar valores aumentados de T4 e T3 livres.

Fenitoína, fenobarbital, carbamazepina, oxcarbazepina e antiinflamatórios não hormonais: inibem a ligação do T4 e T3 às suas proteínas ligadoras, ocasionando alterações transitórias como T4 e T3 livres altos e TSH baixo. Furosemida e salicilatos em altas doses podem produzir efeito semelhante.

Glicocorticóides, dopamina, agonistas dopaminérgicos, análogos de somatostatina, opióides: inibem a secreção do TSH, mas não causam alteração significativa em T4 e T3.

Edição 10. Outubro/2021.
Assessoria Médica – Lab Rede

Referências

1. Batista MC. Avaliação laboratorial da tireoide: atualização. In: Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica / Medicina Laboratorial: Boas Práticas em Laboratório Clínico. Editora Manole LTDA, Barueri – SP, 2020.

2. Favresse et al. Interference in Thyroid Function Tests. Endocrine Reviews. 2018,39(5)830-850